PATO ÀS AVESSAS ou MAIS UMA VARIAÇÃO MAÇANTE SOBRE O MESMO TEMA
Fora despertado de sua apatia papal, na rodoviária, rumo à sua Rimini – um casal de namorados, lindos & louros & felizes, ao seu lado, beijava-se. E seus beijinhos, acompanhados de pequenas risadas, o estalo dos lábios, a gosma da saliva, tudo aquilo junto produzia um som que em seu ouvido traduzia-se em Unha em Quadro Negro, Atrito de Isopor, Então é Natal da Simone.
Olhou para o horizonte, suspirou. Tentou tragar o que restava de seu cigarro (que a essa hora já era uma gigante cinza a milésimos da queda); pensou: Doriana; balbuciou: Fodam-se bando de filhos da puta malditos tomar no cu caralho porra.
Quase simultaneamente, sua atenção é desviada pela voz de um guardador de bagagens, entediado, falando com um motorista, hiperativo; o primeiro reclamando de ficar, o último de partir, mais uma vez. Uma voz imaginária o assombra: “Next stop, Connecticut. Next stop, Connecticut.” Ou algo assim. Um filme. Uma peça. Um seriado. Um filme. Truffaut. Godard. Zé do Caixão. (...) “Next stop, Connecticut” – Tempestade de Gelo, a primeira cena. Filme, Ang Lee, Tobey Maguire, 70’s, frio.
Frio.
Seu cérebro torna-se a partir disso um caleidoscópio, alguns pensamentos-estilhaços se movimentando, sem criar uma imagem definida, necessariamente: 1 – esqueci o casaco pra viagem; 2 – mas por que isso? por que Tempestade de Gelo?; 3 – que horas serão?; 4 – quando, meu deus? quando?
Esforça-se um ou dois segundos para Refletir Sobre. Entendia-se. Acende novo cigarro.
Sua atenção volta-se novamente para o casal a seu lado. Novos beijinhos, 800 decibéis de saliviana felicidade. Ela – Bünchen, Catherine Deneuve – dá seu beijo de despedida e parte. Ele – Belmondo, Assunção – sorri e acena, levemente feliz & embargado (Argh!). Ele – Ele mesmo, nesse momento meio Tobey Maguire voltando pra sua New Canaan – fica.
Pensa em voz baixa: Why lord, why? (em inglês mesmo). Era inevitável. Mais uma vez teria que se defrontar com seus fracassos amorosos e sucessivos abandonos. Fantasmas inertes em sua mente. Tenta contar quantas vezes fora abandonado no outono, às portas do inverno – mesmo que esse abandono implicasse nele próprio terminando um relacionamento. Tinha consigo que, mesmo quando terminava, ele era o abandonado. (Sim, ele tinha consciência da autocomiseração desse conceito).
Perde a conta.
Um dado novo que nunca percebera antes (análises acadêmicas eram seu forte): além da questão Outono às Portas do Inverno, mais uma similaridade entre os casos: sempre fora abandonado (segundo aquele seu conceito), nas piores ocasiões. Parecia que seus amantes-algozes tinham um fino faro para sempre descobrir O Pior Momento.
Sem trabalho e doente? “Temos que ter uma conversa”; sozinho em uma nova cidade? “O problema não é com você”; funeral de sua mãe? “Acho que não dá mais”; a um dia do resultado da biópsia?; “Acho que a distância, a profissão, os signos, os ascendentes nos separam”. Cataclismas? Quedas da bolsa? Tsunames? Fim, fim, fim. Era sempre isso: fim. Sua vida era um eterno final, mezzo terrível mezzo patético, sempre a alguns dias do inverno. Sempre sem direito a letreiros descendo, Philip Glass ao fundo, nada. Seco. Se filme, mais Tempestade de Gelo de Ang Lee, mesmo.
Pensou: fodam-se todas e tod... Mas mal teve tempo de concluir, pois percebe a última chamada. Next stop, Rimini.
Dentro do ônibus, recebe informações sobre o ar-condicionado a 20 e tantos graus celsius durante a viagem. Sabia que era mentira. Já penara algumas madrugadas naquele mesmo ônibus, naquele mesmo trajeto, a 16, 17 graus: E eu sem casaco, meu deus!
Acomoda-se. Olha o entorno. Abre e fecha a cortina da janela, ver ou não ver a estrada. Não chega a um consenso, o pragmatismo nunca fora seu forte.
O ônibus parte, as imagens em sua mente continuam. Tempestade de Gelo, frio, cidade natal, outono/inverno, relacionamentos amorosos fracassados.
Pensa na palavra “oco” e treme. Ele não era oco. Não era. Nunca fora. Rezava para não ser. Queria não enfrentar o fato de que, em última instância, forjara sua vida, desde a mais tenra idade, por uma fortificação que igualmente o protegia e o afastava do mundo. Sua Rimini, o apreço pelo frio, suas andanças. Características que o constituíam e o matavam.
Por que não podia ser mais simples?
Por que não dera certo com ninguém?
Por quê?
(...)
Envelhecer sozinho.
Envelhecer sozinho.
Envelhecer sozinho.
Frio.
(...)
Seus pensamentos tornam-se levemente embaçados. Pensa: Morfeus.
De repente, toda essa confusão angustiante começa a se dissipar, a ficar pelos quilômetros das ruas, avenidas e estradas já percorridas.
De repente, o casal da rodoviária é só um lampejo de memória. Nem tão lindos, nem tão louros, nem tão felizes.
De repente Tempestade de Gelo é só um filme, não sua vida.
Lembra-se, então, de algumas pintas que foram e sempre serão suas: uma, perto de um sexo; outra, em uma nuca. Lembra de uma marca de nascença em um nariz que pra sempre será seu. Recorda madrugadas em rodovias interestaduais, sempre rumo ao sul. O sul. Pensa em alguns verões felizes. Em conchas e conchinhas. Em almoços de domingo. Na massa polar que o persegue nos meses de maio. Em cabelos que caem e tecidos adiposos que aumentam.
Mas tudo isso nesse momento é confortável.
A segundos de dormir, esboça um sorriso: o ônibus acaba de entrar na Dutra, seu para sempre inevitável destino.
Percebe-se, então, pronto pra mais uma temporada de inverno.
Olhou para o horizonte, suspirou. Tentou tragar o que restava de seu cigarro (que a essa hora já era uma gigante cinza a milésimos da queda); pensou: Doriana; balbuciou: Fodam-se bando de filhos da puta malditos tomar no cu caralho porra.
Quase simultaneamente, sua atenção é desviada pela voz de um guardador de bagagens, entediado, falando com um motorista, hiperativo; o primeiro reclamando de ficar, o último de partir, mais uma vez. Uma voz imaginária o assombra: “Next stop, Connecticut. Next stop, Connecticut.” Ou algo assim. Um filme. Uma peça. Um seriado. Um filme. Truffaut. Godard. Zé do Caixão. (...) “Next stop, Connecticut” – Tempestade de Gelo, a primeira cena. Filme, Ang Lee, Tobey Maguire, 70’s, frio.
Frio.
Seu cérebro torna-se a partir disso um caleidoscópio, alguns pensamentos-estilhaços se movimentando, sem criar uma imagem definida, necessariamente: 1 – esqueci o casaco pra viagem; 2 – mas por que isso? por que Tempestade de Gelo?; 3 – que horas serão?; 4 – quando, meu deus? quando?
Esforça-se um ou dois segundos para Refletir Sobre. Entendia-se. Acende novo cigarro.
Sua atenção volta-se novamente para o casal a seu lado. Novos beijinhos, 800 decibéis de saliviana felicidade. Ela – Bünchen, Catherine Deneuve – dá seu beijo de despedida e parte. Ele – Belmondo, Assunção – sorri e acena, levemente feliz & embargado (Argh!). Ele – Ele mesmo, nesse momento meio Tobey Maguire voltando pra sua New Canaan – fica.
Pensa em voz baixa: Why lord, why? (em inglês mesmo). Era inevitável. Mais uma vez teria que se defrontar com seus fracassos amorosos e sucessivos abandonos. Fantasmas inertes em sua mente. Tenta contar quantas vezes fora abandonado no outono, às portas do inverno – mesmo que esse abandono implicasse nele próprio terminando um relacionamento. Tinha consigo que, mesmo quando terminava, ele era o abandonado. (Sim, ele tinha consciência da autocomiseração desse conceito).
Perde a conta.
Um dado novo que nunca percebera antes (análises acadêmicas eram seu forte): além da questão Outono às Portas do Inverno, mais uma similaridade entre os casos: sempre fora abandonado (segundo aquele seu conceito), nas piores ocasiões. Parecia que seus amantes-algozes tinham um fino faro para sempre descobrir O Pior Momento.
Sem trabalho e doente? “Temos que ter uma conversa”; sozinho em uma nova cidade? “O problema não é com você”; funeral de sua mãe? “Acho que não dá mais”; a um dia do resultado da biópsia?; “Acho que a distância, a profissão, os signos, os ascendentes nos separam”. Cataclismas? Quedas da bolsa? Tsunames? Fim, fim, fim. Era sempre isso: fim. Sua vida era um eterno final, mezzo terrível mezzo patético, sempre a alguns dias do inverno. Sempre sem direito a letreiros descendo, Philip Glass ao fundo, nada. Seco. Se filme, mais Tempestade de Gelo de Ang Lee, mesmo.
Pensou: fodam-se todas e tod... Mas mal teve tempo de concluir, pois percebe a última chamada. Next stop, Rimini.
Dentro do ônibus, recebe informações sobre o ar-condicionado a 20 e tantos graus celsius durante a viagem. Sabia que era mentira. Já penara algumas madrugadas naquele mesmo ônibus, naquele mesmo trajeto, a 16, 17 graus: E eu sem casaco, meu deus!
Acomoda-se. Olha o entorno. Abre e fecha a cortina da janela, ver ou não ver a estrada. Não chega a um consenso, o pragmatismo nunca fora seu forte.
O ônibus parte, as imagens em sua mente continuam. Tempestade de Gelo, frio, cidade natal, outono/inverno, relacionamentos amorosos fracassados.
Pensa na palavra “oco” e treme. Ele não era oco. Não era. Nunca fora. Rezava para não ser. Queria não enfrentar o fato de que, em última instância, forjara sua vida, desde a mais tenra idade, por uma fortificação que igualmente o protegia e o afastava do mundo. Sua Rimini, o apreço pelo frio, suas andanças. Características que o constituíam e o matavam.
Por que não podia ser mais simples?
Por que não dera certo com ninguém?
Por quê?
(...)
Envelhecer sozinho.
Envelhecer sozinho.
Envelhecer sozinho.
Frio.
(...)
Seus pensamentos tornam-se levemente embaçados. Pensa: Morfeus.
De repente, toda essa confusão angustiante começa a se dissipar, a ficar pelos quilômetros das ruas, avenidas e estradas já percorridas.
De repente, o casal da rodoviária é só um lampejo de memória. Nem tão lindos, nem tão louros, nem tão felizes.
De repente Tempestade de Gelo é só um filme, não sua vida.
Lembra-se, então, de algumas pintas que foram e sempre serão suas: uma, perto de um sexo; outra, em uma nuca. Lembra de uma marca de nascença em um nariz que pra sempre será seu. Recorda madrugadas em rodovias interestaduais, sempre rumo ao sul. O sul. Pensa em alguns verões felizes. Em conchas e conchinhas. Em almoços de domingo. Na massa polar que o persegue nos meses de maio. Em cabelos que caem e tecidos adiposos que aumentam.
Mas tudo isso nesse momento é confortável.
A segundos de dormir, esboça um sorriso: o ônibus acaba de entrar na Dutra, seu para sempre inevitável destino.
Percebe-se, então, pronto pra mais uma temporada de inverno.
(MAIO DE 2008)
18 comentários:
Que overdose de sentimentos-imagem!
Adorei!
Embora permaneça triste oa pensar o quanto tem o texto, de autobiográfico. Rs
Mas o que me conforta é pensar que jamais estaremos tão sós e desesperados se soubermos ainda brincar com as palavras, tê-las na mãos...e depois deixá-las irem embora para algum blog ou semelhante. :P
Dividir a palavra além de doar é ter o leitor ou ouvinte perto do coração. Eu acho.
Saudades.
Amo
:)
DDA
palavras torridas de tanto frio.imagens cristalinas em alta definição em tela de plasma...rs.Incrível!
Adorable!
B.
Por mais maluco que pareça, Dedinha... Acho esse o menos autobiográfico de todos... Rs.
Mas juro!
Adoro seus comentários hoje-e-pra-sempre.
Beijão e brigadão por mais uma visita.
Lindo. Frio. Poético.
Divisor.Soco no estômago.Daqueles que doem, mas é uma dor que é confortável, que fundo acalanta.
Brigadim pela visita & pelo comentário, irmão!
Beijos.
outch!!!! amei sua porção escritor do ponto 0 ao 5... meio disconfortável p mim, adoro a desconexão das frases construindo um todo!!! parabéns!!!
"balbuciou: Fodam-se bando de filhos da puta malditos tomar no cu caralho porra."
As vezes penso o quão isso pode se tornar libertador, mas tambem o quão faz prender alguem a determinada situação...
Achei super interessante a gradação negativa que esse texto tem, de diminutivo,desaparecimento, imaginariamente dizendo... pensa-se coisas grandes, irritantes, confusões, explosões de imagens... em seguida tudo parece estar simplesmente acalmando-se com a tristeza do "personagem",o proprio sentido do frio mesmo... e no final, tudo apaga-se, como a visão do personagem ao cair no sono...
oooh Lord, és um ótimo escritor ;D
Um Abraço, Professor!
O relógio corre cada vez mais rápido.
E enquanto pele e alma envelhecem
A mulher abre-se cada vez mais pra dentro
E cada vez mais muda,
Nada entende sobre correr.
A cidade é cada vez mais barulhenta e cinza.
E enquanto os coloristas iluminam seus mundos poraí
A mulher permanece cada vez mais dura.
Ladeada de sua sepultura:
Cafés e cigarros ruins.
O retrato de superfície torta já está amarelando.
E enquanto imagem e papel se desgastam pela vida
A mulher para sempre esquecida
Nada sabe sobre viver. "
DDA
Belíssimo, Deda.
Orgulho e prazer de tê-la aqui, sempre (& novamente).
Que bela seqüência de intensidades pulsantes você criou por seus pontos. Pontos vistos de cima, mas que quando se dá conta tranformam-se em pontos punhais, que se afundam como estaca, adentrando-se pela intimidade. Adorei.
Bjs
Tatito vamos atualizar o blog?
Hahahah como prometido eu entro sempre aqui mas, vc ainda não postou nada novo =/
To esperando
Beijão
Vítor M.
Não pare de escrever.
Tatito. Também ressucitei meu blog. Ainda não tem nada demais...mas adoraria vê-lo por lá!
Beijocas amore!
DDA
http://www.dda-dda.blogger.com
Nunca mais rabiscou aqui...:(
nossa amei é meio tristeza desolador mas com tudo é verdadeiro
Querida(o) nova(o) amiga(o),estou precisanda muito de novos amigos pra me auxiliarem no meu projeto. Estou criando uma minibiblioteca comunitária e outras atividades pra crianças e adolescentes na minha comunidade carente aqui na minha comunidade carente no Rio de Janeiro,eu sózinha não conseguirei,mas com a ajuda dos amigos sim. Já comprei 120 livros e também ganhei livros até de portugal dos meus amigos dos meus blogs que eu tenho no google: Eulucinha.blogspot.com ,se quiser pode visitar meus blogs do google,ficarei muito contente. A campanha de doações que estou fazendo pode doar qualquer quantia no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 ou pode doar livros ou pode doar máquina de costura ou pode doar retalhos,ou pode dor computador usado. Qualquer tipo de doação será bemvinda é só mandar-me um email para: asilvareis10@gmail.com , eu darei o endereço de remessa. As doações em dinheiro serão destinadas a compra de livros,material de construção,estantes,mesas,cadeiras,alimentos,etc. Se voce puder arrecadar doações para doar ao meu projeto serei eternamente grata. Muito obrigado pela sua atenção.
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