domingo, 27 de abril de 2008

Ponto 3

Faz três meses – mais, talvez – que não vejo chuva. Não sei por quê. Não sei o que isso significa. Não sei se isso significa algo. Mas sei que faz três meses – talvez mais – que não presencio uma gota sequer caindo do céu.

Sei que talvez essa não seja a época certa para se esperar que chova e blá blá blá. Setembro seco, dizem os noticiários. Mas o curioso é o fato de parecer que eu estou fugindo dela nos parcos momentos de sua existência. Ou ela fugindo de mim. Nessas minhas idas e vindas ciganas, se estou aqui, chove lá; se lá, chove aqui. Sempre perco sua presença por horas. Por poucos quilômetros.

Claro que isso não é uma preocupação fundamental, nesse mundo de aquecimentos globais, Renans Calheiros e pontualíssimas contas de água, luz & telefone. Mas ainda assim é o que mais tem me intrigado. Na minha cabeça é como se o planeta tivesse secado. Como se eu tivesse secado. E talvez tenha – para ambos os casos.

E à medida que essa questão se torna uma Questão, tenho a impressão de estar, com tudo isso, correndo atrás de alguma tempestade de algum remoto verão feliz. Como se eu e a chuva tivéssemos um laço que até então me era desconhecido. Como se fôssemos amigos íntimos, parentes, pai e filho. Como se fôssemos um casal, amantes que se perdem nos rincões desse mundo e nunca mais conseguem se achar. Eu só existo porque estou à sua espreita. Ela só existe porque insiste em fugir de mim. E vice-versa. Nós dois só existimos nesse jogo de esconde-esconde, nessa procura e afastamento. E dessa forma, eu a contenho e ela me contém. Nossos limites se confundem.

Agora, em minha retina, apenas duas imagens persistem: a primeira, uma pontezinha velha, uma rua muito muito muito estreita que logo vira curva e me conduz, sentado no banco de passageiro de um carro, à civilização, novamente; a segunda, uma estrada larga e o despontar da minha pequena cidade – que hoje já não é tão pequena, nem tão minha.

Agora eu faço aniversário, jogo paciência, acordo cedo três vezes por semana, sonho com minhas avós, entro e saio de rodoviárias, fumo cigarros light, não choro, sei reconhecer o cruzeiro do sul, planto espadas de São Jorge, vejo beleza em sacolas de supermercado, ouço rock’n’roll, bebo cerveja, rezo, encaro essa “não dor”.

E perspectivo se, e como e onde, esse grande encontro se dará.

E espero.


(SETEMBRO DE 2007 OU ABRIL DE 2008)



2 comentários:

DDA Silveira disse...

Os tempos em que não vejo a chuva também me intrigam.
A chuva vem reforçar as tristezas da gente. E precisamos disso. De sentir a chuva e sentirmos o céu chorar e ver que há mais água a ser chorada no mundo do que em nós mesmos; Aí depois a chuva passa e fica só o cheirinho bom ( se não se está no Rio de Janeiro).Rs. Aí, o coração fica mais leve também. Eu acho.
:)
Tu escreves lindamente.
Unmá!

Tato Consorti disse...

Lindo isso, Deda!
Brigado pela generosidade e brilhantismo habituais...
Beijos.